Ana
Ana, mulher, amante, mãe, cigana.
Ana foi hoje à sala, com a M. ao colo (7meses) e com o A. (3 anos) pela mão.
Entrou, sorridente, mostrando 5 dentes de ouro bem reluzentes.
A., carita suja mas com um sorriso de orelha a orelha.
M., sorridente também, a comer uma bolachita.
Sentamo-nos e começamos a conversar.
Ana fala-me da dificuldade que tem para que o A. vá para o jardim-de-infância (fica sempre a chorar e ela fica com pena).
Nisto, a M. começa a choramingar. Aproveito para a deitar na manta, para ver como reage. Fica-se.
Nisto saltamos para as gravidezes (5 ao todo), vigilância de saúde dela e dos filhos, partos, etc.
Como as conversas são como as cerejas e eu sabia onde queria chegar, fui dirigindo o assunto para a sua situação socio-económica.
Sem qualquer problema e de uma forma muito natural, diz-me que tem uma “barraquita”, sem água, luz (tem gerador), sem chão (é de terra) e que “fica logo ali em cima”.
Fala-me do frio que sente à noite, mas que dormindo todos juntos (ela e os filhos) sempre ficam mais quentinhos.
Pergunto-lhe pelo companheiro. Diz-me que ás vezes há alturas em que ele fica em casa varias semanas, mas ela já não tem muita paciência para ele.
Pergunto-lhe a idade dela e responde-me 33… Fico espantada, dar-lhe-ia pelo menos mais 10 anos.
Algo ali, me dava indicadores de que as coisas não correriam muito bem.
Perguntei-lhe se o companheiro se zangava muito com ela. Responde-me com uma lágrima que de repente lhe corre pela cara. Levanto-me, abraço-a e seco-lhe a lágrima. Por fim diz-me: Chama-me nomes e bate-me. Estou tão cansada…
Nisto volta com o seu sorriso de orelha a orelha e com a sua naturalidade e aceitação diz-me que é a vida.
Falamos de muitas mais coisas, sobre a vida dela, de como cresceu, de quando foi mãe-menina, de como acentou raízes…
Vim para casa a pensar que iria trabalhar muito com a M. e a mãe. Pensei ainda que teria urgentemente que rever muitos dos meus pré-conceitos (não preconceitos), estudar muitas coisas e acima de tudo, que iria aprender muito com a mulher, amante, mãe e cigana que é a Ana que apesar de viver numa barraca sem condições, com 5 filhos, tem sempre um sorriso de orelha a orelha.