sexta-feira, janeiro 13, 2006

1 Mês e 6 Dias...

Desde que me lembro de mim que me lembro de percas.
Tinha 3/4 anos quando percebi o que era a morte. Lembro-me que me fazia uma enorme confusão quando perguntava aos meus pais pela Bárbara e pelo Zé e eles me diziam que tinham “partido para sempre”. Eu insistia, para ver se tinha percebido bem, e voltava a perguntar: “quando voltam?”
Com o tempo fui percebendo o que queria dizer aquele “partir para sempre”.
Quando finalmente consciencializei instalou-se a dor, a saudade permanente.
O tema morte em si não me incomoda de todo, nem a minha morte me incomoda.
Mas a morte dos outros, dos que me são queridos, essa não a suporto.
Com a idade tenho vindo a perceber que cada vez menos suporto ouvir a noticia…
Cada vez mais evito o confronto comigo própria quando recebo a noticia, ou quando sei que brevemente a terei que ouvir.
Durante vários anos a noticia era normalmente sobre alguém mais velho.
Hoje é sobre mais novos ou outros da minha idade.
Cada vez mais é insuportável.
Há 1 mês e 6 dias chegou-me novamente a noticia…esta sabia há alguns anos que seria inevitável, mas acreditei sempre até ao fim que nunca a receberia, nunca!
Mas recebi…
Este verão, quando estávamos de férias o meu amigo Zé tentou de diversas formas preparar-me para a sua “partida para sempre”.
Recusei-me a ouvir. Não quis, barafustei com ele, zanguei-me, chorei, não admiti que ele tinha razão… Não suportava a perca de mais um amigo, um grande amigo, o meu amigo dos jogos de póquer, dos passeios, das conversas sobre todo o tipo, dos abraços, das brincadeiras e de tantas outras coisas.
Não fui ao funeral dele. Não consegui. Não suportei.
Mesmo sabendo que ele queria que eu fosse (achava que seria uma boa forma de eu fazer o luto, de encarar a realidade), não fui.
Ontem, em conversa com uma mãe que perdeu a sua filha bebé, ela dizia-me que agora era mais difícil do que quando lhe deram a noticia. Entendia-a muito bem. No momento é a dor que se instala, a angustia, o aperto no estômago que não deixa passar nada, a prostração, o não nos sentirmos bem em lado nenhum… No agora é a saudade, a fantasia. Como seria agora? O que faria agora? Andaria triste? Andaria contente?
Perguntas que ficarão para sempre sem resposta…
No agora existe ainda a sensação do que se podia ter feito e não se fez, do que se poderia ter dito e não se disse...
Não vi mais o Zé desde o Verão. Não queria. Não queria assistir à sua partida progressiva. Falávamos muito, por telefone. De vez enquando dizia-me para passar lá por casa, até ficava no caminho do infantário. Nunca fui.
Tenho a certeza que ele me entendia. Eu queria estar com ele (e estava), só não suportava vê-lo. Porque não suportava encarar, admitir que ele tinha razão.Hoje, passados 1 mês e 6 dias resolvi escrever…mas mesmo assim ainda há muita coisa que não consegui tirar de dentro de mim. Tenho medo, um medo terrível das percas. Com o tempo fui fechando cá dentro tudo o que sinto em relação a isso. Bem fechado. Até para mim.